DE MARX A HORKHEIMER: UMA HISTÓRIA DA CONVERGÊNCIA ENTRE TEORIA E PRÁXIS

De Marx a Horkheimer: una historia de la convergencia entre la teoría y la práctica

Manoel Ribeiro de Moraes Junior*
Universidade do Estado do Pará - Brasil
manoelribeiromoraesjr@gmail.com


* Manoel Ribeiro de Moraes Junior, em estágio de Pós-Doutorado em Filosofia na UERJ, sob a orientação do Dr. Luiz Bernardo Leite Araújo, é doutor em Ciências da Religião pela UMESP e Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião (Mestrado) na UEPA (manoelribeiromoraesjr@gmail.com). http://lattes.cnpq.br/2429279552706202

Recibido: diciembre 2011 aprobado: abril 2012


RESUMEN

Este artículo es un estudio sobre la relación entre teoría y praxis en el marxismo occidental y en el joven Horkheimer.

Palabras chave: Teoría y praxis, Marxismo Occidental, Joven Horkheimer.


ABSTRACT

This article is a study on the relationship between Theory and Praxis in Occidental Marxism and in the young Horkheimer.

Key Words: Theory and Praxis, Occidental Marxism, Young Horkheimer.


Introdução

A história do marxismo é ampla e as possibilidades de sua interpretação são diversas. Em consideração a isso, grosso modo, o objetivo deste traçado histórico não é o de esmiuçar a totalidade dos movimentos políticos ou intelectuais que se ergueram inspirados originariamente, nos escritos de Karl Marx e Friedrich Engels, mas, somente, o de ressaltar alguns marcos de um marxismo ajustável ao tipo ideal "Marxismo Ocidental" que Maurice Merleau-Ponty inaugurou em sua obra "As aventuras da Dialética".1 Talvez, mesmo fazendo essa delimitação histórica, o termo "Marxismo Ocidental" ainda permaneça como algo de grande amplitude social, histórica e intelectual.

Todavia, essa etapa distinta da história do pensamento marxista revela uma forma criativa de atualizar e perpetuar os germes político-intelectuais deflagrados pelos escritos dos fundadores do materialismo histórico. Esse marxismo se revelou em Max Horkheimer não somente como orientação intelectual que marcou uma virada na compreensão do próprio significado de pensamento e de sociedade, mas também como crítica às clássicas definições de razão a favor de um modo descentralizado, histórico-social e vivencial de racionalidade.2 Assim, um esboço do panorama retrospectivo do "marxismo ocidental" ajudará entender melhor a formação do pensamento de Max Horkheimer e também do estatuto materialista interdisciplinar da Escola de Frankfurt.

1. A Virada Pragmática, Histórica e Materialista na Filosofia de Karl Marx: Uma Introdução aos Fundamentos da Teoria Crítica

Karl Marx (1818-83) e Friedrich Engels (1820-1895) são oriundos da Renânia. Ambos acompanharam de perto as revoltas proletárias germinadas e efervescidas nos tempos iniciais da Revolução Industrial. De um lado, Karl Marx, afinado com a tradição intelectual do ocidente (estudante de filosofia grega, leitor de Hegel, Feuerbach, Proudhon etc.) e, do outro, Friedrich Engels, um empresário intelectual que conheceu as mazelas do operariado inglês e as artimanhas da administração empresarial e da economia capitalista industrial (SINGER, 2003).

Ligados numa parceira fraternal, ideológica e intelectual que iniciou-se entre os anos de 1842 e 1844, os pais do materialismo dialético estiveram sempre ligados às causas emancipativas dos operários.3 No decorrer do tempo, o labor deles ganhou uma amplitude teórica a partir do instante em que se aplicaram às análises mais críticas e sistemáticas da dinâmica político-econômica proveniente da sociedade capitalista. Mas, por eles estarem atados persistentemente aos ideais de justiça e solidariedade da ecoante revolução francesa, dos seus contemporâneos socialistas utópicos e dos audíveis protestos dos trabalhadores, o teor resultante de todas as obras da juventude e da maturidade de Marx e de Engels expressou um apelo a uma maior inserção do pensamento crítico na concretude de seu tempo.

Destacando essa persistente atitude política e intelectual, Perry Anderson afirmou que "a complexidade de articulação objetiva entre 'classe' e 'ciência' nesse período se refletiu por sua vez na natureza e no destino dos próprios escritos de Marx" (ANDERSON, 2004, 25) - mesmo que a maior parte destas obras tenham sido postumamente descobertas e publicadas. Ainda que a superação das injustiças sociais fosse o epicentro das preocupações de Engels e Marx, esse marxismo originário sofreu certo descompasso entre teoria e a prática política. Em meio às turbulências político-sociais de uma sociedade emergente nos paradigmas econômico-industriais, as organizações auto-emancipativas do proletariado e as obras marxianas sobre revolução, estado burguês e economia capitalista, já não podiam ser vistas num mesmo nível de interesse. Contudo, o desnivelamento intelectual entre os escritos de Karl Marx e as condutas dos partidos e dos sindicatos de esquerda não obscureceu o valor da virada pragmática teórico-histórico-materialista do filósofo e socialista alemão.

Após ser expulso da Prússia e da França, e depois de se acomodar em Londres sob certos cuidados, ajudas financeiras e companheirismo intelectual de Engels, Marx passou a aprofundar as suas análises críticas à economia-política da moderna sociedade européia e como também procurou aprimorar seus esboços teórico-materialistas. Nestes tempos, a empreitada literária marxiana pouco ecoou nos movimentos operários contemporâneos a ela. Talvez, um dos motivos centrais para que os trabalhadores industriais não tivessem se apropriado intensamente dos recursos teóricos desprendidos pelos dois pensadores socialistas, tenha sido a precária qualidade de vida urbana na qual eles pereciam - considerando que os trabalhadores tinham escassas condições de educação, moradia, alimentação, trabalho e de proteção pública para as reivindicações de inexistentes direitos trabalhistas e cíveis. De toda forma, segundo Perry Anderson, Karl Marx e Friedrich Engels foram socialistas intelectuais avançados em seu tempo, mesmo que a grandeza e a vanguarda de seus trabalhos tenham sido de difícil recepção entre os seus contemporâneos.

    Marx e Engels foram pioneiros isolados em sua própria geração; pode-se dizer que nenhum contemporâneo deles, de qualquer nacionalidade, chegou a compreender ou compartilhar completamente suas maduras visões. Sua obra, ao mesmo tempo, produto de um prolongado esforço conjunto, uma parceria intelectual sem paralelo na história do pensamento. Juntos, mesmo no exílio, na pobreza e no trabalho fatigante, jamais perderam contato com as lutas mais importantes do proletariado de sua época, apesar da quase completa falta de vínculos organizativos com este por mais de uma década (ANDERSON, 2005, P. 24).

Mesmo que intensamente afim aos ideais socialistas e anarquistas de uma sociedade liberta das formas de exploração e de domínio entre os seres humanos, Marx, como hegeliano de esquerda, estava convencido de que eles eram infrutíferos, pois se apresentavam somente como contra-imagens às formas precárias da existência social. Porém, por outro lado, o próprio Marx estava profundamente convicto de que a tarefa desprendida por Hegel, em mostrar que o estado moderno conduzia a uma reconciliação absoluta das subjetividades, tinha lugar somente no pensamento (WELLMER, 1988, pp. 65-71). Desde sua tese de doutorado ("A diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e Epicuro"), Marx não aceitava a condição que a filosofia se auto-impôs enquanto mundaneidade político-racional distinta e pré-iminente ao mundo heterônomo à subjetividade ou a qualquer paradigma de razão pura e totalizante. Em meio a essa oposição, Karl Marx apontou uma nova possibilidade de reconciliação entre mundo e filosofia. Essa reconciliação não poderia seguir os passos unicamente da filosofia e nem por meio da tentativa de apoiar-se num realismo ontológico e prático pré-kantiano, mas somente através de uma "filosoficação do mundo" e de uma "mundanização da filosofia". Para ampliar a dimensão válida da reflexão e do agir teórico, Marx se pôs na esteira epistemológica da dialética entre natureza e ser humano imediatizada pela unidade elementar vivencial do agir humano (praxis) ou pela categoria sócio-econômica do "trabalho" (arbeit) - considerando que Praxis e Arbeit são termos categoriais que demarcam, de certo modo, respectivamente as fronteiras respectivamente entre o Jovem Marx (que reflete as obras anteriores aos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 (Ökonomish-Philosophishe Manuskripte) e o Karl Marx da magna obra político-econômica O Capital (Das Kapital).

    A partir dessa oposição radical entre o mundo do pensamento e o mundo real, emerge para Marx a tarefa de mostrar uma nova totalidade, que possa reconciliar dialeticamente mundo e filosofia. Ora, esta nova totalidade não pode ser a filosofia ou mesmo uma outra filosofia, já que a filosofia é parcial (OLIVEIRA, 1989, 65).

É desta forma que a resposta de Marx à tradição intelectual alemã indicou como o pensamento pode pôr-se autoconsciente de suas possibilidades emancipativas, perpetuando sua dimensão crítica de forma não auto-referencial, logocêntrica e nem mesmo solipsista - próprias a toda tradição filosófica.4 A totalidade aberta pelo pensamento marxista, diferentemente da hegeliana, não se subjaz a um sistema ontológico totalitariamente fechado, mas, sim, aos modos de uma dialética que procurou reconstruir a formação (bildung) das experiências vivencialmente humanas, contudo, perguntando-se o que alienaria a realização plena de uma vida ética não cindida, e quais as condições possíveis para se reconduzir, na práxis do cotidiano, à sua plenificação - tarefa que o distinguiu da reflexão utópico-socialista. Assim, em Marx pode-se encontrar uma dupla tarefa crítica:

–A primeira revela uma negatividade à arquitetônica intelectual tradicional, a mesma que conjecturou uma idéia de entendimento e de razão sob uma auto-referencialidade do pensamento como "mundo noético" (mundo inteligível em distinção ao mundo físico) autônomo e pré-eminente à facticidade do mundo social, natural e subjetivo;

    [...] A totalidade na qual a filosofia a teoria marxista se move é diferente da totalidade da filosofia de Hegel, e que esta diferença assinala a diferença decisiva entre as dialéticas de Hegel e Marx. Para Hegel, a totalidade era a totalidade da razão, um sistema ontológico fechado, que acabava por se identificar com o sistema racional da história. O processo dialético de Hegel era, pois, um processo ontológico universal no qual a história se modelava sobre o processo metafísico do ser. Marx, ao contrário, desliga a dialética desta base ontológica. Na sua obra, a negatividade da realidade torna-se uma condição histórica que não pode ser hipostasiada como uma condição metafísica (MARCUSE, 1978, p. 286).

–A segunda revela também as experiências negativas da socialização que unilateralizam as experiências da ação humana (alienação) a partir de imperativos de uma auto-organização classista que, por sua vez, obstruem a contínua expressão dialética reconciliada entre os seres humanos, na naturalização da humanidade e na humanização da natureza.

    O caráter da dialética marxista abarca a negatividade vigente, e a sua negação. Um dado estado de coisas é negativo e só pode ser tornado positivo pela libertação das possibilidades a ele inerentes. Isto é, a negação da negação, se realiza pelo estabelecimento de uma nova ordem de coisas. A negatividade e sua negação são duas fases diferentes do mesmo processo histórico, associadas pela ação histórica do homem (MARCUSE, 1978, p. 287).

Para Marx, o estágio de uma sociedade reconciliada entre si, de forma que as subjetividades emancipadas não mais se subordinassem a qualquer escravatura, a uma interação eqüidistante, só se tornaria possível através de uma ação historicamente desprendida por meio de uma revolução em que prevaleça a equiparação entre os indivíduos que, por sua vez, desprendem uma autonomização na organização pública das condições concretas e possíveis de vida - considerando que o materialismo histórico de Marx relevava que os germes da emancipação já estariam presentes no próprio processo societário. Desta forma, em meio ao hegelianismo e ao socialismo utópico, o grande desafio aberto, então, seria o de aprimorar o pensamento crítico de forma que se evitassem as aporias ou as soluções sob formulações restritamente ideológicas de um problema social. Assim, Marx inicia uma reviravolta na forma de fazer teoria.

Enquanto que na cultura intelectual burguesa a reconciliação dos opostos significava somente uma proposta política segundo as exigências do pensamento puramente teórico, para Marx era necessária uma nova forma de filosofia que impulsionasse esses ideais a "partir de" e o direcionasse "para a" própria existência política.5 Marx é um pensador não só da sociedade, mas também do próprio pensamento, pois, não é possível revolucionar a sociedade (práxis política) sem revolucionar as possibilidades políticas do pensamento (teoria). A interconexão entre teoria e práxis que será herdada por Max Horkheimer e pelo primeiro programa da Teria Crítica, já aparece como uma marcante exigência político-epistemológica na sétima tese dos onze aforismos sobre Feuerbach, quando Marx transforma a história da vivência humana no espaço de articulação de todo saber:

    A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na praxe humana e no compreender desta práxis ((MARX, 2008, p. 29).

Nesse pequeno escrito de onze aforismos, Karl Marx impõe uma crítica à tradição filosófica, sobretudo aos seus papéis político e intelectual. Para ele, a incompletude filosófica restrita ao papel contemplativo era conseqüência de um equívoco sobre as idéias de pensamento, história, sociedade e mundo. A princípio, ao tomar o materialismo de Ludwig Feuerbach6 como parâmetro de um modo de reflexão crítico-transformadora, Marx combateu as prerrogativas próprias do modo de como as filosofias tradicionais tratavam de seus temas.

Para o filósofo socialista alemão, a filosofia tradicional compreendia as significações dos objetos e do modo como refletia sobre o estatuto da objetividade possível, privilegiando sempre a realidade noética (inteligível) ao mundo das experiências sociais e naturais. Através dessa critica, Marx percebeu que tal procedimento reflexivo e especulativo sobre o real e sobre o próprio pensamento era insuficiente, pois era importante a compreensão não somente da significação do mundo natural e social, mas também a compreensão do processo formativo das condições e das possibilidades de toda ação humana: intelectual e prática.

    Como em Kant, o centro dessa teoria está na doutrina das "categorias", só que em Marx as categorias determinam tanto o processo real de vida como as condições transcendentais da constituição dos "mundos de vida". Não existe, para Marx, uma autoconsciência autônoma capaz de se auto-refletir independentemente das estruturas subjacentes do trabalho social. Daí por que a nova "síntese", proposta por Marx enquanto constituição transcendental do mundo objetivo, se caracteriza, em diferenciação, com o pensamento de Kant, Fichte e do próprio Hegel, por não ser algo situado no plano da lógica, mas por ser, acima de mais nada, uma produção empírica e transcendental de um sujeito-espécie em que se autogera historicamente. O substrato, a que se refere a síntese, não é de caráter simbólico, como na filosofia clássica alemã, mas prático-social-histórico (OLIVEIRA, 1989, p. 55).

Para Marx, a constituição das realidades significada e a trabalhada é possível sempre a partir da dimensão da "práxis humana". O conjunto das atividades humanas, a práxis humana, é, então, a condição de toda ação intelectual e instrumental. A filosofia crítica tem de compreender que o processo de formação da constituição do mundo social só é possível se o pensamento reflexivo perceber que o processo constituidor das significações do pensamento e da ação humana é condicionado à práxis social. Desta feita, a reflexão teórica não deve se depurar do mundo, mas antes, se tornar auto-consciente de que ela mesmo emerge da concretude histórico-social. Aplicado esse princípio metodológico de reflexão para uma interconexão entre a teoria e a prática, porém com finalidades à emancipação política, pode-se concluir que a reflexão só é possível se ela nascer e se desenvolver em concordância com o exercício pleno da emancipação social. Assim, segundo Joan Alway7 (s/d, 13),

    é com Marx que a atividade humana é colocada no centro do entendimento e do significado da história. A espécie humana tornou-se a força criativa, o sujeito da história, o autor e ator num drama de sua própria feitura. A história, uma vez sendo atividade redentora de um ser transcendente, agora tornou-se atividade redentora do ser humano. A perspectiva de Marx preserva a idéia de que a história tenha um significado e um ser inteligível, porém, importante, ele introduz o adicional e tenet da atividade da consciência humana como momento decisivo na atualização do significado da história. A ação humana e o entendimento tornaram-se a chave para a toda a realização do sentido final da história: a premissa da teopria com a prática intenta que a atividade da autoconsciência humana pode afetar o curso da mudança social - está em vigor.

A interconexão necessária entre teoria e prática, por fim, é enaltecida, conclusivamente, de tal forma que Marx exige essa reestruturação do papel da teoria. Pois, se a atividade intelectual é casual ao conjunto final da sociabilidade, à práxis humana, logo, a superação das contradições intelectuais somente é possível no alcance da superação das contradições sociais - e vice versus. Por isso, Marx redigiu, no décimo primeiro aforismo das "Teses sobre Feuerbach", que

    Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo (MARX, 2008, p. 29).

Assim, o entendimento e a práxis (o agir humana) ganham uma conectividade de tal forma que não se abre somente uma nova teoria de compreensão social, mas também de interpretação dos significados sócio-culturais. Sob este referencial, o marxismo possibilita a interpretação das expressões sociais não mais sob as exigências conceituais da razão, mas sob as amplas condições sócio-naturais, intermediada pela ação humana (praxis) onde elas ganham força semântica.

    Nenhum signo cultural, quando compreendido e dotado de um sentido, permanece isolado: torna-se parte da unidade da consciência verbalmente constituída. A consciência tem o poder de abordá-lo verbalmente. Assim, ondas crescentes de ecos e ressonâncias verbais, como as ondulações concêntricas à superfície das águas, moldam, por assim dizer, cada um dos signos ideológicos. Toda refração ideológica do ser em processo de formação, seja qual for a natureza de seu material significante, é acompanhada de uma refração ideológica verbal, como fenômeno obrigatoriamente concomitante. A palavra está presente em todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação (BAKHTIN, 2004, p. 38).

2. A Evolução do Pensamento e do Engajamento Político-Teórico Marxista

Uma segunda geração de teóricos marxistas apresentada por Perry Anderson vem das regiões sul e leste da Europa - que coincidentemente eram as mais marginais no desenvolvimento capitalista. São seus integrantes: Antonio Labriola (Campânia), Franz Mehring (Pomerânia), Karl Johann Kautsky (Boêmia) e Georgi Walentinowitsch Plechanow (Tambov). Oriundos da classe média, mas de tradições familiares e profissionais bem distintas entre si, estes "novos teóricos" do marxismo levaram a cabo a tentativa de sistematizar filosoficamente o materialismo histórico em contatos diretos com Friedrich Engels.

Estes intelectuais que optaram pelo pensamento marxista já em idade adulta, tinham ao menos três propósitos:

–sistematizar mais ainda o materialismo histórico, aprimorando assim seus princípios filosóficos;

–dar uma amplitude a diversas questões que não foram contempladas por Marx ou Engels;

–e, por último, criar um corpo de saberes com a finalidade de favorecer 127 uma visão de mundo ampla e de fácil aprendizado para as classes sociais menos favorecidas.

Além dos escritos especulativos, esta geração procurou organizar o corpo literário dos escritos marxianos e engelianos, redigindo introduções, escrevendo apresentações e textos críticos ao conjunto das obras organizadas - além de ensaios biográficos e dissertativos sobre as vidas, as obras e as idéias dos dois socialistas alemães (ANDERSON, 2005, 28).

Já no final do século XIX, outra geração de pensadores marxistas se destacou por assumir uma fortíssima posição de destaque e de modelo no horizonte da política partidária, da ação revolucionária e do engajamento intelectual do século XX. Enquanto isso, nessa mesma época, o mundo europeu passava por fortes transformações. Naqueles dias, o capitalismo impôs um franco crescimento, de forma a atingir altíssimas taxas de lucros e complexidade, ao mesmo tempo em que foi suscetível a fortes crises e a atuar como pivô de conflitos políticos internacionais. O maior impacto negativo de seu progresso, por meio do desenvolvimento tecnológico, foi a criação e a proliferação de uma grande massa de desempregados no setor produtivo dos países da América e da Europa. Já no plano da política internacional, as grandes potências promoveram expansões territoriais imperialistas, dando início assim a uma corrida de afirmação bélica. Assim, sobre estas duas gerações imediatamente emergentes aos dias de Marx e Engels, diz Perry Anderson que

    os herdeiros imediatos de Marx e Engels se formaram em um período de relativa calmaria. A geração seguinte de marxistas atingiu a maioridade em um ambiente mais turbulento, quando o capitalismo europeu começava a navegar na direção da tormenta da primeira guerra mundial (ANDERSON, 2005, 29).

Esta terceira geração de intelectuais marxistas engajados politicamente e revolucionariamente é oriunda do centro e do oriente da Europa. Dela, podemos destacar: Lênin (1870-1923 / Simbirsk - Volga), Rosa Luxemburgo (1871-1919 / Zamosc - Galícia), Hilferding (1877-1941 / Viena) e Trotski (1879-1940 / Kherson - Ucrânia). Com um exercício de aprimoramento da relação entre o teórico e o prático, de modo mais intenso que aquele desprendido pela geração anterior, estes novos e precoces pensadores marxistas exerceram grandessíssimas influências tanto partidárias em suas regiões quanto teóricas por meio de escritos que trouxeram consigo relevâncias sobre economia, política e sociedade. Não era sem motivos. As crescentes transformações do modo de produção econômica do capitalismo exigiram também grandes aprimoramentos nas análises críticas da economia-política. Além do mais, os estudos de Max Weber sobre movimentos sociais e vários outros temas da história econômica e das organizações sociais, além do crescimento de análises mais pormenorizadas e intensamente mais críticas às idéias de Marx por parte de importantes teóricos econômicos, exigiam algumas reformulações e ampliações nas teses inicialmente redigidas em O Capital.

Antes de cada um completar trinta anos, esta geração de notáveis marxistas aplicou-se em dar uma amplitude e uma atualidade teórica às idéias marxistas, algo de que elas já careciam naqueles dias. Kautsky, em 1899, analisou as mudanças econômicas nos setores agrários da Europa e dos Estados Unidos. Logo após, porém no mesmo ano, Lênin aprimorou os estudos sobre o materialismo histórico e também sobre a questão agrária, investigando o modelo rural da sociedade czarista. Seis anos mais tarde, Hilferding sistematizou uma análise e uma crítica ao sistema financeiro de sua época, enfocando uma refutação teórica às críticas marginalistas impostas à obra O Capital de Karl Marx,8 e às teorias econômicas fundamentadas nos princípios das teorias clássicas. Em 1907, Bauer escreveu um esboço teórico sobre formações e sobre organizações sociais, porém, sua maior atenção vai em direção a uma tentativa de explicar teoricamente os expansionismos imperialistas. Momentos antes da primeira guerra mundial, os estudos da socialista Rosa Luxemburgo procuraram uma teorização sistêmica do lucro, da expansão imperialista e do papel da periferia não-capitalista na dinâmica econômica da Europa moderna - idéias que, por sua vez, foram muito criticadas por Bauer.

É importante notar que o crescimento do pensamento econômico e político de inspiração marxista na Alemanha, na Rússia e na Áustria, foi marcante nos quinze primeiros anos do século vinte. Além do avanço e do amadurecimento teórico do marxismo, é distintivo o rápido crescimento, inclusive qualitativo, tanto dos partidos operários quanto das organizações revolucionárias que combatiam os antigos regimes da Europa Oriental. Esse novo momento espiritual e político do marxismo pode ser visto como aquele em que os intelectuais amadureceram suas articulações políticas e até mesmo revolucionárias. Por causa disso, Trotsky escreveu a obra Resultados e Perspectivas que, de algum modo, oferecia uma nova forma de compreender as condições de organização política como também o modo de investida intelectual dos movimentos revolucionários que os tornaram capazes de abrigar uma perspectiva organizacional, teórica e tático-revolucionária mais madura no enfrentamento em meio às lutas de classes.

Os momentos posteriores à primeira guerra mundial foram marcados por cisões fortíssimas nas relações entre os intelectuais marxistas. A Segunda Internacional já sofria várias rupturas entre seus membros. Rosa Luxembrugo (aplicada na criação de frentes revolucionárias na Polônia e na Alemanha), Trotsky (na consolidação da revolução de 1917 e, mais tarde, na sua aproximação para com os movimentos revolucionários, mas periféricos ao establishment soviético) e Lênin (principal pensador e líder executivo da revolução soviética) que foram grandes expressões de um marxismo político-intelectual, afastaram-se, entre si, e isolaram os seus ideais e as suas articulações políticas sempre de acordo com as circunstâncias em que cada um se envolvia.

Lênin fez com que o materialismo histórico e as teorias políticas ganhassem uma atualidade política até então inexistente na história do marxismo. Porém, a sua prática político-governamental foi de encontro aos interesses operários nacionais que, por sua vez, representavam uma Rússia com modelos precários de economia agrária e industrial. O "intelectual-revolucionário" que Lênin representava no ideário político, sobretudo aquele favorável às revoluções atentas às exigências dos grupos sociais mais pobres, passou, cada vez mais, a ser conivente com a criação de um Estado socialista, burocrático, racional, militarizado, de economia planificada e com procedimentos leviatânicos de controle social. Assim, o Estado soviético nasceu sob a condução de um ideal revolucionário orquestrado por Lênin e que, mais tarde, será herdado por Stalin, mas sob os desafios de uma condução econômica e política planificada, estabelecendo um regime fortemente centralizado e expansionista sobre grupos de origens étnicas diversas, assim como sob o desafio de reprimir violentamente as contra-revoluções que se opunham radicalmente ao modelo absolutista de um governo que, mesmo sob motes comunistas, mostrava-se cada vez menos sensível às expressões concretas do oprimido (MONGE, 1993).

O progresso do pensamento e da política partidária não foi hegemônico e nem homogêneo na Europa. Em 1919, na Alemanha, Rosa Luxemburgo foi presa barbaramente por grupos paramilitares que apoiavam ideais nacionalistas e sócio-democráticos, pois, com a queda do segundo Reich, ela lutava pela organização de uma frente revolucionária, redigindo, inclusive, o programa político-econômico do partido. Assim, em tempos de um levante em Berlim, ela foi assassinada por esquadrões mercenários contratados pelo Governo Socialdemocrata.

Em 1920, foi encerrada a pretensão de instaurar uma República 130 Soviética Bávara. Essa fase de estabilização da economia capitalista pós-guerra favoreceu a intimidação e até mesmo o apoio popular às repressões fatalistas aos movimentos revolucionários. Tal situação contribuiu para com a ascensão de governos autoritários em países onde as revoluções eram eminentes: Alemanha, Itália, Hungria e na Áustria. Mesmo participando destes momentos de uma maneira muito discreta, Max Horkheimer mostrou-se um admirador das causas políticas e das idéias de Rosa Luxemburgo, sobretudo das suas críticas ao centralismo bolchevique.9

    De tempos em tempos, tem-se levantado a questão da possível filiação de Horkheimer ao PDK. Não há provas para corroborar essa visão, e há muitas coisas nos escritos e nos atos dele que tornam plausíveis sua afirmação de que nunca ingressou no partido. Durante a época em que estudaram juntos em Munique, em 1919, Horkheimer e Pollock foram testemunhas não participantes das breves atividades revolucionárias dos literatos bávaros. Apesar de terem ajudado a esconder esquerdistas que eram vítimas do terrorismo branco que se seguiu, eles próprios não se juntaram à revolução, que consideraram prematura e inevitavelmente malfadada, em vista da falta e condições objetivas que favorecessem uma verdadeira mudança social. As primeiras simpatias políticas de Horkehiemr foram Rosa Luixemburgo, especialmente por sua crítica ao centralismo bolchevique. Depois do assassinato dela, em 1919, Horkheimer nunca encontrou outro líder socialista para seguir (JAY, 2008, p. 51).

Na década de vinte, a Rússia de Stalin se consolidou como um bloco totalitário e isolado, de forma a despertar repúdio entre aqueles que se mobilizaram para perpetuar o ideal da revolução proletária. Tal década revelou, mais uma vez, a fragilidade do capitalismo e, desta feita, os pensadores críticos ao totalistarismo soviético passam também pela perseguição de muitos Estados da Europa que se alinham num fascismo contra a crise econômica.

    Enquanto o stalismo amordaçava a cultura soviética, fora da URSS a fisionomia política do capitalismo europeu era cada vez mais violenta e conturbada. A classe operária continuava a ser uma poderosa ameaça às burguesias da Europa central e meridional, embora em todas as partes tivesse sofrido derrotas durante a grande crise revolucionária do pós-guerra. A criação da terceira internacional e o crescimento de partidos comunistas disciplinados, sob a bandeira do leninismo, atemorizavam todas as classes dirigentes dos epicentros originais de 1918-20. Além disso, a recuperação econômica do imperialismo que havia garantido o restabelecimento da ordem de Versalhes teve vida curta. Em 1929, o maior colapso na história do capitalismo devastou o continente, espalhando o desemprego em massa e intensificando a luta de classe. A contra-revolução social estava mobilizada em suas formas mais brutas e violentas, extinguindo as democracias parlamentares nos países em que elas ainda existiam para eliminar todas as organizações independentes da classe operária. As ditaduras terroristas do fascismo foram a solução histórica do capital para enfrentar as ameaças da classe trabalhadora (ANDERSON, 2005, 41).

3. A Ressurreição do Criticismo na Tradição Intelectual Marxista

    Umas das questões cruciais levantadas na análise subseqüente foi a relação da teoria com a prática, ou, mais precisamente, com o que se tornou um termo conhecido no léxico marxista: a praxis. Em uma definição frouxa, a práxis foi usada para designar uma espécie de ação autocriadora, que diferia do comportamento externamente motivado, produzido por forças que estavam fora do controle do ser humano. Ao ser usado pela primeira vez na Metafísica de Aristóteles, a práxis foi originariamente vista como o oposto da theoria contemplativa. No uso marxista, porém, foi vista em uma relação dialética com a teoria. De fato, uma das características da práxis em contraste com a mera ação, era o fato de ela ser instruída por considerações teóricas. A atividade revolucionária deveria unificar a teoria e a práxis o que estaria em contraste direto com a situação vigente no capitalismo (JAY, 2008. 39).

O marxismo europeu não-soviético, após a primeira guerra mundial, ficou restrito. De um lado, em 1923, formou-se o Instituto de Pesquisa Social, na República de Weimer, nas dependências administrativas da Universidade de Frankfurt (Frankfurt am Main). Sob a direção de Carl Grünberg, um austro-marxista, esse instituto, que mais frente abrigou idealmente a Escola de Frankfurt, procurou analisar temas econômicos, sócio-trabalhistas e outras questões sócio-político-econômicas em convênio com o soviético Instituto Marx-Engels, em Moscou. Do outro, vemos grandes personagens do marxismo intelectual que preconizaram os ideais de articulação necessária entre a práxis e a teoria, de formas pertinentes aos seus mundos, mas sempre à luz dos ideais libertários e crítico-teóricos de Marx. Éis os mais conhecidos: A. Gramci, na Itália, K. Korsh, na Turíngia, e G. Lukács, na Hungria.

Esse marxismo revisionista, crítico, seguiu uma trajetória inversa àquela trilhada por Karl Marx. Enquanto Marx fez do materialismo histórico uma teoria crítica que se deslocava da filosofia para a economia política, esse neo-marxismo não abandonou a economia política - muito menos Marx -, contudo retornou à filosofia em meio aos desafios abertos pelas novas orientações intelectuais daquele tempo sob inspirações espistemológicas de tradição kantiana ou hegeliana. É importante salientar que nenhum marxista ocidental afirmou que o objetivo central das reflexões seria a Teoria do Conhecimento - tal como desenvolveu-se o debate da filosofia crítica e idealista anterior ao século XIX. Contudo, a retomada de questões oriundas da filosofia significava a necessidade de uma orientação preliminar destinados a um aprimoramento da ação interpretativa e transformadora do mundo.

As idéias emergentes do marxismo ocidental foram mal recepcionadas tanto pela ortodoxia da social-democracia como pelo comunismo soviético. Essas recepções negativas podem se justificar pelo fato de que as forças político-governamentais de orientação marxista filiaram-se às recepções de um materialismo realista sob um ponto de vista epistemológico afim ao realismo e ao objetivismo das ciências da natureza - a força intelectual interpretada por eles como aquela capaz de cumprir a superação da filosofia preconizada por Engels e Marx, ou seja, a radicalização do empirismo e do objetivismo cientificista no materialismo histórico contra a metafísica ou a filosofia abstrata burguesa. Assim, o marxismo soviético e aqueles associados à Internacional Comunista (Komintern) aplicaram uma investida fortemente censurante aos pensamentos de Lukacs, Gramsci e Korsch, por entender que esses intelectuais filiavam as teorias de Marx aos intelectuais de origem burguesa. A filosofia de Lukacs, por exemplo, segundo Löwy (1996, 37), era

    uma "filosofia integral e sem dogmas", enquanto que Weber resta prisioneiro de uma verdade sem condição e sem ponto de vista; Lukács supera a seu mestre com a dialética do sujeito e o objeto, e com o reconhecimento sem restrição da história como único meio de nossos erros e de nossas verificações. O que Lukács aportou - atraindo desta forma a condenação da ortodoxia soviética (Pravda, l924) - é "um marxismo que incorpora a subjetividade da história sem fazer dela um epifenômeno.

O termo "Marxismo Ocidental" designa uma tradição intelectual que expressa o rumo político-intelectual de pensadores que, mesmo à luz do imperativo marxismo de superação da epistemologia tradicional de primado idealista (MARX, 2008, 28), entendem que o papel da crítica não pode ser depreciado no afã revolucionário. Por entender este primado em meio a toda uma crise do entendimento (Verstand) e da razão (Vernunft), Merleau-Ponty vê o porquê Weber ter sido tão decisivo naquele momento. Para Merleau- 133 Ponty, a sociologia e a história econômica de Weber recolocam novos desafios na relação entre o saber e a história - sendo este último o trajeto da ação política com pretensões libertárias. Para Weber, a história não pode ser decidida sem antes passar por uma tarefa compreensiva. O dogmatismo histórico recalca a infinitude das particularidades do presente e do passado e é assim que a dialética dogmática toma a história: não é a partir de sua singularidade, mas a partir de um propósito previamente selecionado com objetivos políticos que também são previamente selecionados. Desta feita, mais que um projeto libertário, a dialética científica tornou-se uma ideologia com finalidades práticas, porém sem forças críticas ao contínuo processo de reflexão e investigação. O dogmatismo histórico suprassumia os indivíduos das possibilidades de consentimento ou de recusa teórica.

    O historiador não pode passar os olhos pelo passado sem lhe dar um sentido, sem pôr nele o relevo do importante e do acessório, do essencial e do acidental, dos esboços e das realizações, das preparações e das decadências, e esses vetores, traça os sobre o conjunto compacto dos fatos, já desfiguram um real onde tudo é igualmente real e cristalizem nele nossos interesses. Não se pode evitar a invasão do historiador na história, mas pode-se fazer com que, assim como o sujeito kantiano, o entendimento histórico construa de acordo com certas regras que garantam o valor intersubjetivo à sua representação do passado. As significações - ou, como diz Weber, os tipos ideais que ele introduziu nos fatos - não deverão ser tomadas como chaves da história: são apenas balizas precisas para avaliar a distância entre o que pensamos e o que aconteceu e evidenciar o resto deixado por toda interpretação. Portanto, cada perspectiva só se põe para preparar outras e só é fundada se ficar estabelecido que é parcial e que o real fica mais além (MERLEAU-PONTY, 2006, 02).

Estas críticas metodológicas originam-se, sobretudo, dos círculos intelectuais weberianos. O papel da teoria em Weber adverte que a análise da história e de suas possíveis categorias elementares é aferida, sob ponto de vista crítico da tradição kantiana, de modo a se questionar primeiramente e criticamente as possibilidades do papel do investigador, mais precisamente, do entendimento teórico. Desta feita, essa provocação metodológica que enfraquecerá o ideal de objetividade histórica sob as pretensões de um realismo último ((WEBER, s/d), exigirá da reflexão sobre a distinção entre história e entendimento, e as possibilidades da ação significativo-teórica da segunda em direção à primeira. Assim, a sociologia interpretativa de Weber reconhece os limites das ciências que investigam as ações e as significações humanas, conferindo-lhe a possibilidade de uma interpretação reconstrutiva de suas razões possíveis (tipos ideais),10 ou da racionalidade embutida nos fenômenos econômico-histórico-sociais.11 Essa questão aberta por Weber influenciará o pensamento de G. Lukács, como também o seu correlato filosófico, a Escola de Marburgo (do neokantismo), influenciará Max Horkheimer na sua recepção e reinterpretação do marxismo não partidário.

Notas e Considerações Finais

A vida acadêmica de Max Horkheimer alimentou-se de várias tradições políticas, artísticas e intelectuais. Porém, dentre elas, o marxismo serviu-lhe de motivo central de pensamento a partir do qual desdobraria todas as seguintes. Muitíssimo influenciado por seu amigo economista e sociólogo marxista Friedrich Pollock, Horkheimer deixou-se seduzir pelos caminhos político e intelectual de Rosa Luxemburgo, contudo sempre à luz das questões sobre vivêncialidade abertas pela fenomenologia, pelas dimensões significativas que emergem dela e sob a interpretação hermenêutica do neokantismo. Esta influência teve, ao menos, quatro conseqüências no processo de consolidação do perfil intelectual de Horkheimer:

–Uma aversão aos sistemas político-totalitários - mesmo que originário de levantes comunistas;

–Um ceticismo para com os ideais convencionais de revolução;

–A necessidade de reflexões apuradas sobre os limites, de um lado, e as condições possíveis, por outro, de uma sociedade livre dos antagonismos que provocam conflitos e degradações dos ideais de justiça equiparável e mútua;

–Uma retomada das significações das expressões como liberdade, religião, Deus etc., para a compreensão das expressões afins à emancipação humana e como aquelas próprias da existência humana.

Por este viés, Horkheimer procura construir uma trilha alternativa de Materialismo Histórico e Interdisciplinar, revisando-o através de uma problematização teórica, sem perder de vista as implicações pragmáticas preconizadas por Marx. Essa investida visava à superação das antinomias cravadas pelo marxismo revolucionário e partidário, e, até mesmo, à exaustão da economia política sob as rédeas do materialismo cientificista não crítico - daí a ressurreição das reflexões críticas na pergunta sobre as condições e os limites da reflexão, da ação e da significação humana dentro do próprio marxismo. Assim Horkheimer integrou um grupo de intelectuais dispostos a repensarem e atualizarem os ideais do materialismo histórico postos por Karl Marx. e que foi nomeado por Maurice Merleau-Ponty de "Marxismo Ocidental".12

Para o professor Dr. Fred Rush, a Teoria Crítica majoritariamente e inicialmente formulada, sobretudo através dos artigos escritos por Max Horkheimer por volta de 1933-34, fez com que o Instituto de Pesquisa Social se despedisse dos interesses meramente descritivos ou simplesmente especulativos, a fim de exercer uma tarefa epistemológica socialmente mais atuante. Essa amplitude visava não só a esclarecer sobre as forças das desigualdades sociais, mas também orientar forças políticas que visavam à emancipação social a partir do fim das desigualdades sociais. Por isso, afirma o prof. Dr. Rush, que

    poder-se-ia pensar que a Teoria Crítica é 'crítica' apenas na medida em que torna a desigualdade social aparente, aponta alguns candidatos plausíveis para as causas da desigualdade e permite à sociedade em geral (ou, no mínimo, seu segmento oprimido) reagir de maneira apropriada. A Teoria Crítica é 'crítica' porque responde ao fardo deixado pela última das Teses sobre Feuerbach, de Marx: 'os filósofos têm apenas interpretado o mundo de diferentes maneiras; a questão é mudá-lo'."13

Notas

1MERLEAU-PONTY, Maurice. As aventuras da Dialética. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
2Para uma compreensão das relações entre o pensamento filosófico de Marx e as filosofias de Kant e Hegel, cf. (ROCKMORE, 2002).
3Para uma maior compreensão da formação histórica da classe operária e organização para a formação de uma consciência classista e de mobilização política, cf. (THOMPSON, 1987).
4Cf. Sobre as leituras do pensamento marxiano à luz da problemática do entendimento e da práxis, dentro da tradição neo-kantiana de pensamento (Jürgen Habermas e Nicolau Hartmann), cf. (OLIVEIRA,1989, 51-72).
5Para uma maior compreensão dos conceito de emancipação, reconciliação e utopia no pensamento de Marx, cf. WELLMER, 1994, pp. 65-72.
6Sobre a crítica à religião cristã e à filosofia clássica por Feuerbach, cf. FEUERBACH, 1988; FEUERBACH, 1989.
7Para uma maior compreensão da implicação conceitual de práxis, "trabalho social" para uma teoria da significação, cf. as seguintes obras: HABERMAS, 1982; BAKHTIN, 1992.
8Em concordância com a teoria clássica, Marx entendia que o valor era conseqüência imediata do custo da produção e mais a margem de lucro impostas pelo monopolizador das forças produtivas (Cf. Marx, 2003). Porém, para os teóricos marginais, o valor em uma economia aberta também leva em consideração a satisfação do consumidor como princípio criador de demanda e, por isso, como algo também ponderante na regulação dos preços (cf. FIANI, 1990).
9"A supressão do socialismo e do comunismo radicais na Alemanha neste período, principalmente o assassinato dos lideres espartaquistas Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, foi mais tarde descrito por Max Horkheimer como uma mudança radical com conseqüências fatais. Em todo caso, este desenvolvimento exerceu uma importante influência no seu compromisso para com o marxismo. (STIRK, Peter M. R., 1992, p. 03).
10WEBER, Max. Economía y sociedad: Un esbozo de sociologia comprensiva. Mexico: Fondo de Cultura Economica, 1992; RINGER, Fritz. A Metodologia de Max Weber. A Unificação das Ciências Culturais e Sociais. São Paulo: Edusp, 2004.
11ARAUJO, Luiz Bernardo Leite. "Weber e Habermas: religião e razão moderna". Síntese (Belo Horizonte), Belo Horizonte, v. 21, n. 64, p. 15-41, 1994.
12MERLEAU-PONTY, Maurice. As Aventuras da Dialética. Op. cit. p. 02.
13RUSH, Fred (Org.) "As bases conceituais da primeira Teoria Crítica" in: Teoria Crítica. Aparecida: Idéias & letras, 2008, p. 35.

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